Crimes contra a mulher obrigam evolução legislativa de proteção

Embora caminhem a passos lentos, são crescentes as conquistas femininas por direitos igualitários.


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Mulher é assassinada com quatro tiros na cabeça pelo companheiro. A manchete é genérica – trata-se de fato ocorrido em 1976, mas poderia estampar os jornais de hoje. O mês de agosto foi marcado por brutais casos de morte de mulheres pelos próprios parceiros.

O termo “feminicídio” é recente ordenamento jurídico. Foi em 2015, pela lei 13.104/15, que o crime contra a mulher passou a fazer parte do Código Penal, no art. 121, prevendo pena de reclusão de 12 a 30 anos para homicídio envolvendo razões de condição do sexo, como violência doméstica ou discriminação.

Mas um fatídico caso da década de 70 mostra que as sanções para crimes contra a mulher nem sempre foram tratadas assim.

Caso Doca Street

30 de dezembro de 1976. Ângela Diniz é assassinada com quatro tiros na cabeça, na praia de Búzios, no litoral do RJ, pelo próprio companheiro, Raul Fernando Doca Street. O “motivo”? Ângela teria colocado fim no relacionamento, situação não aceita por Doca.

Doca ficou escondido após o crime. Tempos depois, reapareceu, mas não à polícia: à imprensa. Deu declarações de que se tratava de crime passional e que agiu pela preservação de sua honra.

Na tentativa de sensibilizar o júri, a defesa de Doca, patrocinada pelo advogado Evandro Lins e Silva, criminalista de memorável carreira, usou a tese de homicídio passional praticado em legítima defesa da honra com excesso culposo.

No dia 18 de outubro de 1979, o primeiro julgamento de Doca foi realizado. Ao utilizar a tese defensiva, o causídico esmiuçou a vida da vítima, mostrando-a como pessoa promíscua, transformando Doca na verdadeira vítima; Ângela, por sua vez, culpada por sua morte.

O cidadão jurado percebe rapidamente quando o fato foi provocado pela vítima“, teria afirmado. Ele também disse que Doca Street apaixonou-se perdidamente. “E a paixão sempre é cega, não é boa conselheira.” O criminalista chamou Ângela Diniz de “mulher fatal”, aquela que “encanta, seduz, domina”, e assim seguiu a longa dissertação de “legítima defesa” de seu cliente.

O argumento que hoje pode parecer surpreendente, à época “colou”. Doca Street recebeu do júri popular pena de dois anos de prisão, a serem cumpridos em liberdade. Os jornais noticiaram que Doca foi aplaudido ao deixar o Fórum após ouvir a sentença. Gritos e cartazes o apoiavam: “Doca, Cabo Frio está com você”.

Mas uma reviravolta mudaria o fim da história: os movimentos feministas ganharam voz. As mulheres defendiam o direito à vida e de fazer suas próprias escolhas. Foi criado o slogan “quem ama não mata”. A acusação recorreu da decisão.

Em 81, novo julgamento. Desta vez, a opinião pública estava mobilizada para condená-lo – e vibrou quando ele pegou 15 anos de prisão. O júri entendeu que houve homicídio doloso qualificado.

Feminicídio

Meses antes do assassinato de Ângela Diniz, no mesmo ano, 76, o termo “feminicídio” apareceu pela primeira vez no jornal Folha de S. Paulo. Na ocasião, em comemoração ao Dia da Mulher, quase 600 mulheres de 26 diferentes países teriam se reunido em Bruxelas no Primeiro Tribunal Internacional de Crimes contra a Mulher, que estudaria delitos contra as mulheres e formas de eliminá-los.

Entre os crimes, maternidade forçada, esterilização, abusos sexuais, trabalho não remunerado de donas de casa, dupla carga de trabalho, e o feminicídio, citado como “neologismo como qual se destaca que mais mulheres que homens são assassinadas”. No Brasil, grupos femininos de São Paulo se reuniram no MASP para debater problemas enfrentados pelas mulheres.

De fato, a conquista de autonomia por parte do sexo feminino fez com que o ordenamento jurídico fosse obrigado a acompanhar o avanço.

Passos lentos

Historicamente, tinha-se a mulher como “propriedade” do marido. Não havia autonomia, poder de voto, liberdade profissional.

No Código Penal de 1890, os crimes sexuais, localizados na sessão dos crimes contra a segurança da honra, o objetivo do legislador não parecia ser o de proteger as mulheres em si, mas sim a sua virgindade e a honestidade das famílias. Em seu art. 268, previa penas distintas para o caso de estupro de mulheres “virgens, ou não, mas honestas”, e “mulheres públicas ou prostitutas”.

Na hipótese de mulher honesta, o casamento com o algoz extinguia a punibilidade do crime sexual, determinação expressa do artigo 276 – a conduta era “corrigida” pelo matrimônio. Já a mulher que cometesse adultério, pelo art. 279, seria punida com pena de um a três anos de prisão.

A Constituição Republicana de 1934 trouxe reformas profundas e consagrou o princípio da igualdade entre os sexos, proibindo a diferença de salários, a assistência médica à gestante, entre outros pontos. Em 1937, por sua vez, a ditadura do Estado Novo foi implantada. Neste momento, direitos como a igualdade entre os sexos foram novamente reprimidos.

O Código Penal de 1940, que vige ainda hoje, mostrou progresso sobre a liberdade em relação ao cônjuge, o qual deixou de ter direito sobre o corpo da companheira e, após 1990, o estupro passou a ser considerado crime hediondo.

O Código Civil de 16 dispunha que a mulher casada era incapaz de praticar alguns atos e precisava de permissão do marido inclusive para ter uma profissão. Uma lei de 1962, sobre a situação jurídica da mulher casada, dispunha que “o marido é o chefe da sociedade conjugal”, mas então acrescentou “a colaboração da mulher”. A mulher passa a ter direito sobre os filhos e sobre os seus bens particulares. O texto foi revogado em 2002, com o novo CC.

A Constituição de 88 foi, finalmente, um grande marco na proteção às mulheres. O texto, que completa 30 anos, dispõe sobre direitos e obrigações igualitários entre homens e mulheres; protege o mercado de trabalho da mulher; diz que direitos e deveres referentes à sociedade conjugal devem ser exercidos por ambos os sexos, e dispõe ainda sobre outros direitos civis.

No tocante ao crime contra a mulher, em 2006, a lei Maria da Penha é sancionada como símbolo da luta contra a violência doméstica e familiar em face das mulheres. A lei completa 12 anos neste mês.

Embora a evolução caminhe a passos lentos, o direito feminino é uma conquista cada vez mais presente nas leis brasileiras, e a busca por igualdade ainda não cessou.

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